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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

ARS LITTERARIA (29): Um conto de Natal, por Casp

-[Illumi] Natus Philosophorum, David Zink fecit MMX

Conto de natal, ou talvez não...
Na minha meninice quando ainda não pensava nem contestava, acreditei no natal, no pai natal, na festa da família e mais outras patranhas; recordo-me que, estando hospedado num orfanato com mais duzentos clientes, num desses natais fui considerado o mais bem comportado e como paga deram-me o melhor brinquedo que se encontrava no pinheiro; eu o melhor do ano? Eu que até tinha chumbado a 4ª classe? Eu que era um demónio quando me chateavam?

Achei aquilo tão estranho que mal chegado ao Quadrado (local aonde brincávamos), cá vai disto e o saxofone foi atirado contra a parede; atrás do saxo voaram carros, carrinhos e carretas contra os muros, foi assim comemorado esse natal e os seguintes levaram o mesmo caminho, mal ali chegávamos era tudo destruído, e que ninguém tentasse ficar com o brinquedo pois era-lhe retirado à força.

Acto de selvajaria? Talvez! Mas também talvez esta coisa de nos sentirmos sós no meio de tantos também devia pesar sem o sabermos, entendamos a coisa como um escape pois nem nos sentíamos mal depois da acção.

Mais tarde descobri porque me deram o saxo.

A Tia Rosa, cozinheira, chamou-me e disse-me, tenho um filho que tem o teu nome, Carlos Alberto da Silva Pedro, também fez exame da 4.ª classe um ou dois dias depois de ti, o chumbo era para ele, mas deixa estar tu és interno, ele não e tem de ir trabalhar para me ajudar. Ela o disse ela o sabia.

Eu realmente estranhei; na véspera do exame e como preparação psicológica a regente prometeu uma carga de porrada a quem trouxesse uma raposa, e não é que ela mandando-me chamar em lugar da prometida carga me disse que para o ano seria melhor!!! Revendo o exame até me correu bem; já escrevia mais ou menos bem, era bom em redacções e ditados, em História calhou-me o Viriato e o Sertório, na Geografia safei-me com os rios que nasciam em Espanha, na Geometria os ângulos, na Gramática as preposições que disse todas, nas Ciências falei dos ossos da cabeça; a minha professora estranhou o chumbo e por isso não levei porrada e deram-me o saxo que gentilmente arrumei contra a parede, o meu instinto de criança dizia-me que algo estava errado.

Muitos natais passei na praia de Santo Amaro de Oeiras, foram giros; era assim, comprava uma garrafa e um bolo-rei, chegado à praia acendia uma fogueira e passado pouco tempo aparecia malta conhecida e desconhecida e confraternizávamos até às quinhentas. Às vezes vou passar a casa de amigos mas eles que me perdoem, não gosto muito pois a tristeza não me deixa, com familiares a tristeza ainda é maior.
Hoje encaro o natal como um 1º de Abril ou como o Carnaval; o consumismo natalício é um desperdício, e que sentido faz um tipo ficar sem dinheiro até Janeiro!? Há bastantes anos que não dou nem quero prendas, de comer o costume na véspera e no dia, e anseio que as canções natalícias que começam a moer-me o juízo nos fins de Outubro acabem.

Quem não gosta não estraga, quem está longe da terra entendo que se encontrem, só nunca entendi porque morre tanta gente no caminho, quem está perto não necessita de dia especial para se encontrar, qualquer dia é dia, sendo que considero o dia do meu nascimento, 2 de Janeiro o mais importante; nesse dia ando mesmo feliz e agradeço aos meus pais que não me conheceram nem os conheci o meu ocasional nascimento, ou será que julgavam eu ser filho de Marcianos?

Nov.2010Casp
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