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sábado, 24 de dezembro de 2011

ARS LITTERARIA (33): O presente de Natal de Rui Zink

Illuminatus angelorum capella / David Zink fecit MMXI


Não dê…

Neste Natal
Não dê dinheiro a um pobre
Habitua-o mal
Não dê comida a um pobre
Habitua-o mal
Não dê de beber a um pobre
Ele vai gastar tudo em vinho
Não dê guarida a um pobre
Ele gosta é mesmo de chão
Não dê livros a um pobre
Ele queima-os para se aquecer
Não dê carinho a um pobre
Ele estranha e fica nervoso
Não diga bom dia a um pobre
Dá-lhe falsas esperanças
Não dê saúde a um pobre
É uma despesa inútil
Se quer mesmo dar-lhe alguma coisa
[porque enfim está no espírito de natal
e você é uma alma piedosa]

Dê-lhe porrada.
Vai ver que ele gosta
É ao que ele está habituado
E os pobres já sabemos como é
os pobres (coitados) não são muito de mudança não.


Rui Zink
In: JL : jornal de letras, artes e ideias, Ano XXI, n.º 1075 (2011-12-14 a 27), “Contos de Natal”, 11
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domingo, 16 de outubro de 2011

ARS LITTERARIA (32): Júlia Lello, Os Vivos e os Mortos




Entre “OS VIVOS E OS MORTOS”, alguém há-de...



Com a publicação de “Os vivos e os mortos”, o seu mais recente livro, Júlia Lello traz-nos uma mão cheia de poemas arrumados em duas secções opostas que poderiam até preencher duas edições distintas – O «Livro dos Mortos» e o «Livro dos Vivos» –, ainda que vida e morte façam parte da “vida”, e talvez por isso a autora tenha querido marcar essa indissociabilidade publicando-os no mesmo volume.

Temos assim dois registos - negro e claro -, duas tonalidades - menor e maior -, ainda que nem a morte seja sempre triste nem a vida constantemente alegre. Nos funerais de New Orleans (onde nasceu o jazz), costumava-se tocar a marcha fúnebre (da Sonata em si menor, op. 35, de Chopin) no cortejo até ao cemitério, mas o regresso fazia-se em clima de festa, jazzístico e alegre, ao som de temas como o “Free as a bird", pois celebrava-se a ida para o “céu”, e a libertação do falecido da vida dura de “escravo”, finalmente livre como um pássaro. A noite pode ser luminosa (como se vê, por ordem cronológica, nos nocturnos de Michael Haydn, de John Field ou de Frédéric Chopin), ainda que banhada por luz indirecta do Sol, tendo a Lua por mensageira.

Por outro lado, denota-se na primeiro capítulo um tom mais intimista e (auto)biográfico, com os factos da vida real a determinar uma reflexão sobre a vida efémera (“é para onde vamos”, sublinha a autora em jeito de complemento de título). Mais do que uma incursão no “mundo dos mortos” e na especulação dos seus mistérios, é a “saudade” sensível relativamente aos que partiram, mas também a interrogação fundamental sobre se vale a pena continuar a viver esta vida: “Não sei se foi bom ficar viva / Não sei se era melhor morrer” (é o mote da “Balada da mulher viúva”), enfim ceder já à morte que a vida nos destina, ou meramente adiá-la, eis a questão.

Já o segundo capítulo é dominado pela crítica do sistema em que somos levados a viver, com a fina ironia que a poetisa nos habituou nos seus livros anteriores, onde sobressai a crítica ao sistema de ensino” no "Poema didáctico-Pedagógico” (ou não fosse a autora também professora), o combate à tradição da “violência sobre as mulheres”, mas também a valoração metafísica dos “pequenos nadas” da vida quotidiana (num modo algo surrealizante que nos faz lembrar o saudoso José Gomes Ferreira).

Mas no seu conjunto, “Os vivos e os mortos”, um título-paráfrase de “Os nus e os mortos”, de Norman Mailer (quiçá como homenagem a esse vulto maior da contracultura norteamericana), (res)suscita o problema magno da nossa existência:

Haverá outro sentido para a vida, além da morte? – Sim, a poesia que teima em resistir à morte física dos poetas aí está para o provar. E Júlia Lello com a sua arte poética a suscitar a inquietude é, indubitavelmente, um desses seres raros que nos fornece pistas nesse sentido.


Ars Litteraria


LELLO, Júlia – Os Vivos e os Mortos. Il. Maria José Brito, [Lisboa: ed.aut., 2011] (Digital XXI), D.L. 330364/11, 48 p.



link:
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http://arspoetica2u.blogspot.com/

domingo, 25 de setembro de 2011

ARS LITTERARIA (31): Mozart par Christian Jacq


Mozart 4 Enigma [2011] / (re)designed by David Zink


JACQ, Christian – Mozart. – 4 vols., [S.l.]: Bertrand, 2006-2007
– 1.º vol: O supremo mago. – ISBN: 9789722514750
– 2.º vol: O filho da luz. – ISBN: 9789722514835
– 3.º vol: O irmão do fogo. – ISBN: 9789722515221
– 4.º vol: O amado de Ísis. – ISBN: 9789722515429



Ars litteraria, recomenda esta excelente obra nas categorias do romance histórico e da biografia como género literário, porquanto nos revela o génio de W. A. Mozart (1756-1791) nas suas várias dimensões (a do grande compositor, mas também a do "menino prodígio" que se fez homem dotado de grandes virtudes e algumas fraquezas) e à luz da vertente que muitos ignoram (pelo menos em toda a suas implicações), a de maçon entusiasta e dedicado e do modo como isso se revelou decisivo na sua obra e na sua vida

O autor desta biografia, monumental mas de fácil leitura, pretende dar a conhecer ao leitor comum, numa escrita viva e apaixonante, uma visão sustentada sobre a personalidade e acontecimentos que rodearam a vida do genial compositor. Acresce que este escritor expõe uma tese "conspirativa" e porventura polémica mas com fundamentação bastante sobre as causas da morte precoce deste "filho da luz" (que obviamente nada tem a ver com a personagem central do filme fantasista Amadeus, de Milos Forman: ainda que a profundidade das suas composições não bastasse, bastaria ler as cartas de Wolfgang Amadeuz dirigidas ao seu pai, o compositor Leopold Mozart, para perceber que ele nada tinha de pateta, ainda que, como muitos de nós, gostasse de praticar o humor brejeiro como ressalta da correspondência com a sua prima Maria Anna Thekla, carinhosamente "Bäsle").

Ora, Christian Jacq, um maçon (tal como Mozart) que é também um prestigiado membro da Academia Francesa e um dos mais destacados egiptólogos, autor de inúmeros livros de divulgação sobre este e outros temas, não pretendeu usar a figura de Mozart para criar um mero texto lúdico ficcional, bem pelo contrário ainda que utilizando como meio de exposição o romance – arte na qual já provou os seus créditos –, apoia-se numa aprofundada investigação solidamente apoiada em documentos coevos.

Claro que a invulgar extensão desta biografia pode demover a priori o público em geral, mesmo os melómanos e literatos mais empenhados, porém asseguramos que os quatro volumes que a compõem lêem-se num apíce, por força da forma narrativa empolgante e da escrita límpida do autor. Assim, o único motivo de “susto” para o leitor só poderá ser o preço da totalidade da obra, mas para esse caso há sempre a excelente solução de recurso às bibliotecas públicas.

4 hands Mozart

Piano Sonata in D major, 4-hands, K. 381 / Daniel Barenboim & Lang Lang

&


Piano Sonata in C major, 4-hands, K. 521 / Martha Argerich & Eugene Kissin

4 great pianists 4 Mozart

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