ARS LITTERARIA revê-se no projecto ARS INTEGRATA e é parte integrante do mesmo. É um espaço de livre-pensamento e de debate de ideias, não possuindo vinculação a correntes estéticas particulares, nem filiação clubística, político-partidária, ou de cariz confessional, pelo que não assume qualquer comprometimento com os textos e opiniões expressas no seu blog como naqueles que divulga.
Contamos com a vossa colaboração. Para mais informação ver abaixo ou escreva para: arslitteraria@gmail.com

-

domingo, 11 de julho de 2010

ARS LITTERARIA (26): Homenagem a uma Rosa... Matilde Rosa Araújo (1921-2010)

-

L'Important c'est la rose! In memoriam Matilde Rosa Araújo / David Zink (2010)


MATILDE ROSA ARAÚJO (20.06-1921-06.07.2010)

1) Matilde e eu


História do senhor mar - Foi através deste poema que entrei na primeira fase das minhas relações com a Matilde – a forma como os escritores se dão primeiro a conhecer – pela publicação dos pensamentos/emoções que querem partilhar com os outros. Esta foi a poesia escolhida de “O livro da Tila” para eu dizer, andava ainda na primária, num palco de uma vila (Belas), junto do adro da igreja, na festa anual. Vestidinho branco, como mandava o figurino da época, fitinha no cabelo…

A segunda fase foi a de a ver em minha casa, já amiga de minha mãe, companheiras de acções conjuntas na Ludus (década de 70, para lembrar o direito de brincar, facilitar o acesso ao livro, os primeiros passos da ludoteca/biblioteca).

Numa terceira fase, a partir de 1990, começámos a ser parceiras de iniciativas no Instituto de Apoio à Criança. E a minha foto a declamar o seu poema serviu de tema de paródia.

Sempre me elogiou em tudo o que fazia, deixando-me atrapalhada com tanta benevolência. E não posso esquecer o belíssimo texto que publicou sobre minha mãe, quando ela faleceu, no Jornal de Letras (8.3.94). Generosa em tudo!

Das minhas prateleiras posso tirar "O Palhaço Verde", "O Sol e o Menino dos Pés Frios", "História de uma Flor", "O Gato Dourado", "As Botas de Meu Pai", "As Fadas Verdes" e "Segredos e Brincadeiras" e "A saquinha da flor". Todos com as suas lindas dedicatórias, letra bem desenhada, como ela gostava de fazer. “Gosto de desenhar a letra. A letra tem uma beleza como a palavra tem uma música” (escrevia à mão e depois passava à máquina).

As suas histórias estão cheias de ternura, de ironia, também de realismo sobre a vida de muitas das nossas crianças. Mas também era capaz de escrever: “Limpemos esta floresta que somos. Não queiramos, não consintamos a imolação pelo fogo de muitos de nós. Não consintamos olhar mais a humanidade como vítima de uma morte violenta que quer vingar sabe-se lá que deus menor. Ou sabe-se demais. Porque ela pesa. É de metal” (in: Boletim do IAC - Instituto de Apoio à Criança, n.º 16, Novembro-Dezembro de 1991, p. 1).

Tenho em mãos uma publicação sobre “A Criança e os Direitos Fundamentais”, onde também faço uma reflexão sobre o impacto em Portugal do Ano Internacional da Criança – 1979. Por ela ter pertencido à Comissão Nacional para a organização de iniciativas, pedi-lhe recentemente um depoimento, que ela termina desta forma: “Parto com saudade de um futuro que não viverei mas que tenho a certeza de poder sonhar. Parto com esperança”.

Arrepiei-me toda quando recebi a sua carta. Respeitei o seu sentir premonitório. Mas não fui capaz de lhe responder. E ela se foi com o meu silêncio acobardado.

Quem tem filhos, netos, trabalha com crianças, façam o favor, corram a comprar os seus livros. Só ficam a ganhar!


Este beijinho da Matilde é generalizado a todos, tal era a sua capacidade de receber o Outro, de o aceitar, de perdoar.


2) Matilde e todos nós

Morreu a escritora Matilde Rosa Araújo com 89 anos.

Nasceu a 20 de Junho de 1921, em Lisboa. Licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica (1945) com uma tese em que o jornalismo era objecto de análise académica. Foi professora do primeiro Curso de Literatura para a Infância na Escola do Magistério Primário de Lisboa.

Desde cedo preocupada com os direitos das crianças, tornou-se sócia fundadora do Comité Português da UNICEF e do Instituto de Apoio à Criança.

A sua estreia na literatura teve lugar em 1943 com "A Garrana", uma história sobre a eutanásia com a qual venceu o concurso "Procura-se um Novelista", do jornal O Século, em cujo júri de encontrava Aquilino Ribeiro.

Na literatura para crianças, o primeiro título publicado foi "O Livro da Tila" (1957) - escrito nas viagens de comboio entre Lisboa e Portalegre, onde dava aulas a crianças jovens. Estes poemas foram musicados por Lopes Graça.

Os seus livros foram ilustrados por Maria Keil e outros e, mais recentemente, Gémeo Luís e a João Fazenda.

Em 2009, foi publicada a obra "Matilde Rosa Araújo - um olhar de menina", uma biografia romanceada da escritora com texto de Adélia Carvalho e ilustração de Marta Madureira.
Matilde foi membro da Sociedade Portuguesa de Escritores (actual APE). Ocupava um cargo directivo quando foi premiado o angolano José Luandino Vieira, então preso no Tarrafal. Foi motivo para a PIDE invadir as instalações da Sociedade e demitir a direcção. Estávamos em 1965. Matilde falava disto com a sua habitual ironia ….

Em 1980 recebeu (ex-aequo com Ricardo Alberty) o Grande Prémio de Literatura para Criança da Fundação Calouste Gulbenkian. Em 1991, recebeu o Prémio para o Melhor Livro Estrangeiro da Associação Paulista de Críticos de Arte de São Paulo, Brasil, por "O Palhaço Verde". Em 1994 voltou a receber o Prémio da Gulbenkian pelo livro de poesia "Fadas Verdes". Em 1994, Matilde Rosa Araújo fora nomeada pela secção portuguesa do IBBY (Internacional Board on Books for Young People) para a edição de 1994 do Prémio Andersen, considerado o Nobel da Literatura para a Infância.

O Presidente da República Jorge Sampaio condecorou-a em 2003. Nesse mesmo ano a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) decidiu, por unanimidade, atribuir-lhe o Prémio Carreira (entregue em Maio de 2004), pela sua "obra de particular relevância no domínio da literatura infanto-juvenil ". Nessa altura, ela afirmou que “os jovens lhe ensinaram uma espécie de luz da vida", porque "o seu olhar é de uma verdade intensa e absoluta".

E à Sociedade Portuguesa de Autores voltou, no passado dia 6 de Junho, para que lhe pudéssemos dizer o último adeus.

Pode ser consultada mais informação em:
http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/

CLARA CASTILHO

-

Sem comentários: