L'Important c'est la rose! In memoriam Matilde Rosa Araújo / David Zink (2010)
MATILDE ROSA ARAÚJO (20.06-1921-06.07.2010)
A segunda fase foi a de a ver em minha casa, já amiga de minha mãe, companheiras de acções conjuntas na Ludus (década de 70, para lembrar o direito de brincar, facilitar o acesso ao livro, os primeiros passos da ludoteca/biblioteca).
Numa terceira fase, a partir de 1990, começámos a ser parceiras de iniciativas no Instituto de Apoio à Criança. E a minha foto a declamar o seu poema serviu de tema de paródia.
Sempre me elogiou em tudo o que fazia, deixando-me atrapalhada com tanta benevolência. E não posso esquecer o belíssimo texto que publicou sobre minha mãe, quando ela faleceu, no Jornal de Letras (8.3.94). Generosa em tudo!
Das minhas prateleiras posso tirar "O Palhaço Verde", "O Sol e o Menino dos Pés Frios", "História de uma Flor", "O Gato Dourado", "As Botas de Meu Pai", "As Fadas Verdes" e "Segredos e Brincadeiras" e "A saquinha da flor". Todos com as suas lindas dedicatórias, letra bem desenhada, como ela gostava de fazer. “Gosto de desenhar a letra. A letra tem uma beleza como a palavra tem uma música” (escrevia à mão e depois passava à máquina).
As suas histórias estão cheias de ternura, de ironia, também de realismo sobre a vida de muitas das nossas crianças. Mas também era capaz de escrever: “Limpemos esta floresta que somos. Não queiramos, não consintamos a imolação pelo fogo de muitos de nós. Não consintamos olhar mais a humanidade como vítima de uma morte violenta que quer vingar sabe-se lá que deus menor. Ou sabe-se demais. Porque ela pesa. É de metal” (in: Boletim do IAC - Instituto de Apoio à Criança, n.º 16, Novembro-Dezembro de 1991, p. 1).
Tenho em mãos uma publicação sobre “A Criança e os Direitos Fundamentais”, onde também faço uma reflexão sobre o impacto em Portugal do Ano Internacional da Criança – 1979. Por ela ter pertencido à Comissão Nacional para a organização de iniciativas, pedi-lhe recentemente um depoimento, que ela termina desta forma: “Parto com saudade de um futuro que não viverei mas que tenho a certeza de poder sonhar. Parto com esperança”.
Arrepiei-me toda quando recebi a sua carta. Respeitei o seu sentir premonitório. Mas não fui capaz de lhe responder. E ela se foi com o meu silêncio acobardado.
Quem tem filhos, netos, trabalha com crianças, façam o favor, corram a comprar os seus livros. Só ficam a ganhar!
Este beijinho da Matilde é generalizado a todos, tal era a sua capacidade de receber o Outro, de o aceitar, de perdoar.
2) Matilde e todos nós
Morreu a escritora Matilde Rosa Araújo com 89 anos.
Nasceu a 20 de Junho de 1921, em Lisboa. Licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica (1945) com uma tese em que o jornalismo era objecto de análise académica. Foi professora do primeiro Curso de Literatura para a Infância na Escola do Magistério Primário de Lisboa.
Desde cedo preocupada com os direitos das crianças, tornou-se sócia fundadora do Comité Português da UNICEF e do Instituto de Apoio à Criança.
A sua estreia na literatura teve lugar em 1943 com "A Garrana", uma história sobre a eutanásia com a qual venceu o concurso "Procura-se um Novelista", do jornal O Século, em cujo júri de encontrava Aquilino Ribeiro.
Na literatura para crianças, o primeiro título publicado foi "O Livro da Tila" (1957) - escrito nas viagens de comboio entre Lisboa e Portalegre, onde dava aulas a crianças jovens. Estes poemas foram musicados por Lopes Graça.
Os seus livros foram ilustrados por Maria Keil e outros e, mais recentemente, Gémeo Luís e a João Fazenda.
Em 2009, foi publicada a obra "Matilde Rosa Araújo - um olhar de menina", uma biografia romanceada da escritora com texto de Adélia Carvalho e ilustração de Marta Madureira.
Matilde foi membro da Sociedade Portuguesa de Escritores (actual APE). Ocupava um cargo directivo quando foi premiado o angolano José Luandino Vieira, então preso no Tarrafal. Foi motivo para a PIDE invadir as instalações da Sociedade e demitir a direcção. Estávamos em 1965. Matilde falava disto com a sua habitual ironia ….
Em 1980 recebeu (ex-aequo com Ricardo Alberty) o Grande Prémio de Literatura para Criança da Fundação Calouste Gulbenkian. Em 1991, recebeu o Prémio para o Melhor Livro Estrangeiro da Associação Paulista de Críticos de Arte de São Paulo, Brasil, por "O Palhaço Verde". Em 1994 voltou a receber o Prémio da Gulbenkian pelo livro de poesia "Fadas Verdes". Em 1994, Matilde Rosa Araújo fora nomeada pela secção portuguesa do IBBY (Internacional Board on Books for Young People) para a edição de 1994 do Prémio Andersen, considerado o Nobel da Literatura para a Infância.
O Presidente da República Jorge Sampaio condecorou-a em 2003. Nesse mesmo ano a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) decidiu, por unanimidade, atribuir-lhe o Prémio Carreira (entregue em Maio de 2004), pela sua "obra de particular relevância no domínio da literatura infanto-juvenil ". Nessa altura, ela afirmou que “os jovens lhe ensinaram uma espécie de luz da vida", porque "o seu olhar é de uma verdade intensa e absoluta".
E à Sociedade Portuguesa de Autores voltou, no passado dia 6 de Junho, para que lhe pudéssemos dizer o último adeus.
Pode ser consultada mais informação em:
http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/
CLARA CASTILHO
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