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sábado, 18 de abril de 2009

ARS LITTERARIA (18): a Lovecraft story, by Rui Zink


Recebemos novas do escritor Rui Zink, que actualmente se encontra a dar aulas na University of Massachussets Dartmouth, e um novo conto - Love Craft - em torno da metafísica das realidades virtuais e dos amores cibernéticos, que abaixo reproduzimos:

Craft models (2009) / David Zink


LOVE CRAFT

Tal como os lutadores profissionais estão como zombies entre combates – e essa espera pode durar meses – também ele se sentia desempregado, apenas meio vivo, entre cada noite. Não, nem sempre sonhava com ela, aliás nem sabia quem “ela” era, e muitas vezes mesmo sem se recordar de pormenores sabia que o sonho tinha sido um pesadelo e que acordava mais cansado do que quando se deitara. Mas sabia que só quando dormia se encontrava – fosse com o que fosse. Com “ela”, com os monstros lovecraftianos que havia na sua psique, com a essência divina da aventura humana, com a verdadeira e secreta geometria do planeta. De dia, pálida sombra de uma coisa qualquer. Mas atenção, não era só de dia. Não se tratava aqui de nenhum culto romântico da “noite” ou de álcoois tardios no Bairro Alto. Era o sono, apenas o sono. Napoleão justificava a insónia com o não querer que o império lhe escapasse por entre os dedos enquanto dormia. Ele era o contrário: tinha medo que a verdadeira vida lhe escapasse por entre os dedos enquanto estava acordado.

Que, depois, mal ou nada se lembrasse dos sonhos, era apenas um pormenor, lamentável (por uma questão de satisfação), mas sem grande importância.

Esta história podia ter um final feliz, porque um belo dia foi atropelado numa passadeira e entrou em coma. Finalmente estava totalmente imerso num contínuo onde delícias e horrores eram apenas duas das mil e uma faces de um mesmo oceano. Mas, a pedido da mulher, desligaram a máquina.

Rui Zink
Massachusetss, 2009-03-29

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