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domingo, 14 de dezembro de 2008

ARS LITTERARIA (12): Natal, mar de livros



LANÇAMENTOS NATALÍCIOS



Para este Natal, entre as melhores ofertas estarão os livros e os discos. Os editores sabem-no e nesta altura inundam o mercado com novas edições, do melhor ao pior.

É um período em que os potenciais leitores tendem a ser acríticos por falta de tempo para uma análise detalhada, e por isso mais permeáveis ao marketing das editoras, que nesta altura apostam sobretudo em valores mediáticos: em primeiro lugar, os livros assinados por jornalistas ora travestidos de romancistas históricos (sem que sejam escritores ou historiadores, tratando da escrita como quem trata de uma receita de culinária: uma pitada de sal, um enredo policial,..., tantas gramas disto, tantas daquilo,... ah um bom pedaço de amor, ou melhor ainda de sexo, para dar aquele “gostinho especial”...), logo seguidos dos escritores premiados, desta feita já sem o (justo) Nobel à cabeça mas de um seu ambicionado candidato... até chegar aos que pela primeira vez se aventuram nestas lides (o que só por si é um acto de coragem, tendo em conta o elevado preço dos livros e a crise financeira a que conduziram os arautos do neo-liberalismo, quais agentes branqueadores dos desmandos de empresários e de políticos sem escrúpulos).

E não é que a escrita não possa ser um "mundo de aventuras", aliás um romance é, invariavelmente, isso mesmo. Mas, é certamente preciso mais do que isso (por exemplo, no caso do ressurgimento do romance histórico, que teve grandes escritores a valorizá-lo - Marguerite Yourcenar, com as Memórias de Adriano e a Obra ao negro, Umberto Eco, com O Nome da Rosa e O pêndulo de Foucault, Christian Jacq com Champollion, o egípcio e outros tendo como matéria-prima o Antigo Egipto e mais tarde a vida de Mozart (com uma muito interessante tese sobre as causas da sua morte), Steven Saylor, com Sangue Romano e seguintes de uma saga não terminada, e, entre nós, José Saramago, com o Memorial do Convento, etc. –, aliando preocupação de rigor histórico e ficção, numa escrita simultaneamente vigorosa e cuidada, com sentido humanista, em que as técnicas utilizadas (a do suspense tornou-se um must), não constituem um fim em si mesmo, mas são pretexto para aliciar o leitor para um exercício de inteligência, ou de reflexão sobre a dimensão ética da existência humana, ou visam mesmo tão simplesmente informá-lo de diferentes horizontes para além daquele que o leitor já abarca. E, é sabido que depois destes autores o romance histórico tornou-se palco de um enxame de sub-produtos oportunistas, pseudo-literatura susceptível de seduzir os incautos que se deixam levar na onda (é, sobretudo, a estes, que é dirigido o marketing). Claro que há excepções como Matilde Ascensi, Inès Nollier, Joan Ohanneson, e talvez mais alguns…, mas a maioria é absolutamente deplorável, devendo destinar-se ao caixote do lixo como se de comida estragada se tratasse (parafraseando Luiz Pacheco, literatura comestível precisa-se!).

Não que não seja louvável só por si o acto da escrita, ou que esta deva ser privilégio exclusivo dos profissionais da escrita (dos quais, como se sabe, só alguns são na realidade bons escritores, independentemente do estatuto que alcançam).

Não se nasce escritor! Veja-se, por exemplo, o caso de Umberto Eco (um dos escritores mais prolíferos e celebres da actualidade): começou por ser filósofo e ensaísta, só mais tarde se encontrou como escritor ficcional.

Não é, pois, disso que se trata, mas tão só de distinguir o trigo do joio. Num país que não tem hábitos de leitura e com fraco poder de compra, afigura-se como particularmente importante que o leitor desprevenido não leve gato por lebre, mais a mais quando se corre o risco de a escrita banal afastar de vez os potenciais leitores da prática da leitura (sobretudo se houver uma sensação de não retorno, em prazer, do dinheiro e do tempo investidos)… o que obviamente não sucederá com os leitores mais experientes e avisados.

Aliás, nem sequer é necessário ser de um bom escritor para que um livro mereça ser lido, basta que acrescente algo ao nosso conhecimento ou ao modo de ver aquilo que supomos conhecer. É claro que se for bem escrito, tanto melhor! E, por bem escrito entenda-se não o mero burilar (frequentemente gongórico) das palavras procuradas no dicionário (que alguns julgam ser o único modo de cultivo da língua), mas a capacidade de um escritor criar em nós um interlocutor activo (seja pela fluidez da escrita ou pelo efeito da interpelação conseguida) e de nos seduzir para a prática da leitura de outros livros (seja pelo ritmo da articulação das palavras e do enredo, ou por quaisquer outras razões).

Ars Litteraria não pode, obviamente, permanecer indiferente ao mercado literário, mas deseja sobretudo contribuir para a divulgação de obras que interajam de forma positiva com o leitor, independentemente da maior ou menor visibilidade dos seus lançamentos e dos circuitos de distribuição. E neste Mar de livros, há que fazer boas escolhas. São, pois, os nosso votos para este Natal:
Boas escolhas! E... Boas Leituras!
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