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domingo, 16 de outubro de 2011

ARS LITTERARIA (32): Júlia Lello, Os Vivos e os Mortos




Entre “OS VIVOS E OS MORTOS”, alguém há-de...



Com a publicação de “Os vivos e os mortos”, o seu mais recente livro, Júlia Lello traz-nos uma mão cheia de poemas arrumados em duas secções opostas que poderiam até preencher duas edições distintas – O «Livro dos Mortos» e o «Livro dos Vivos» –, ainda que vida e morte façam parte da “vida”, e talvez por isso a autora tenha querido marcar essa indissociabilidade publicando-os no mesmo volume.

Temos assim dois registos - negro e claro -, duas tonalidades - menor e maior -, ainda que nem a morte seja sempre triste nem a vida constantemente alegre. Nos funerais de New Orleans (onde nasceu o jazz), costumava-se tocar a marcha fúnebre (da Sonata em si menor, op. 35, de Chopin) no cortejo até ao cemitério, mas o regresso fazia-se em clima de festa, jazzístico e alegre, ao som de temas como o “Free as a bird", pois celebrava-se a ida para o “céu”, e a libertação do falecido da vida dura de “escravo”, finalmente livre como um pássaro. A noite pode ser luminosa (como se vê, por ordem cronológica, nos nocturnos de Michael Haydn, de John Field ou de Frédéric Chopin), ainda que banhada por luz indirecta do Sol, tendo a Lua por mensageira.

Por outro lado, denota-se na primeiro capítulo um tom mais intimista e (auto)biográfico, com os factos da vida real a determinar uma reflexão sobre a vida efémera (“é para onde vamos”, sublinha a autora em jeito de complemento de título). Mais do que uma incursão no “mundo dos mortos” e na especulação dos seus mistérios, é a “saudade” sensível relativamente aos que partiram, mas também a interrogação fundamental sobre se vale a pena continuar a viver esta vida: “Não sei se foi bom ficar viva / Não sei se era melhor morrer” (é o mote da “Balada da mulher viúva”), enfim ceder já à morte que a vida nos destina, ou meramente adiá-la, eis a questão.

Já o segundo capítulo é dominado pela crítica do sistema em que somos levados a viver, com a fina ironia que a poetisa nos habituou nos seus livros anteriores, onde sobressai a crítica ao sistema de ensino” no "Poema didáctico-Pedagógico” (ou não fosse a autora também professora), o combate à tradição da “violência sobre as mulheres”, mas também a valoração metafísica dos “pequenos nadas” da vida quotidiana (num modo algo surrealizante que nos faz lembrar o saudoso José Gomes Ferreira).

Mas no seu conjunto, “Os vivos e os mortos”, um título-paráfrase de “Os nus e os mortos”, de Norman Mailer (quiçá como homenagem a esse vulto maior da contracultura norteamericana), (res)suscita o problema magno da nossa existência:

Haverá outro sentido para a vida, além da morte? – Sim, a poesia que teima em resistir à morte física dos poetas aí está para o provar. E Júlia Lello com a sua arte poética a suscitar a inquietude é, indubitavelmente, um desses seres raros que nos fornece pistas nesse sentido.


Ars Litteraria


LELLO, Júlia – Os Vivos e os Mortos. Il. Maria José Brito, [Lisboa: ed.aut., 2011] (Digital XXI), D.L. 330364/11, 48 p.



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