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quinta-feira, 25 de outubro de 2007

ARS LITTERARIA (6) : Eça agora? Perdão, Essa agora!


O «BANDO DOS 7» VOLTA A ATACAR


A propósito do lançamento ocorrido ontem na BNP (ver http://arsintegrata.blogspot.com/ ) do último livro do «Bando dos 7» - Eça agora : os herdeiros dos Maias - , Ars Litteraria reproduz, com a devida vénia e autorização expressa do autor, o texto elaborado por Rui Zink para a apresentação desta obra colectiva dos escritores Alice Vieira, João Aguiar, José Fanha, José Jorge Letria, Luísa Beltrão, Mário Zambujal e Rosa Lobato Faria.



Essa Agora?!?


Bom, vamos lá a despachar isto. Para que conste dos autos, temos presentes em corpo e papel, uma tal de Beltrão, um Aguiar, uma Vieira (relação possível com futebol), uma Lobato de Faria (da família do editor, provavelmente, está na cara que é cunha), um Letria, um Zambujal, uma Fanha… Um Fanha – raio de nome.

Escreveram um livro a catorze mãos, o que é suspeito, sendo eles sete, a menos que tenham usado também a mão esquerda, o que não sendo suspeito, está fora de moda, como atestam os autos. O volume em causa intitula-se Eça Agora, e ostenta desde logo um erro de português, Essa escrito com cê de cedilha, o que, se mais fosse necessário, é prova provada de que se trata de um romance pós-moderno, escrito por portugueses pós-modernos, it est, escritores que publicam best-sellers mas nunca aprenderam a ler para não correrem o risco de ser influenciados.

A menos que o erro tenha sido voluntário, e aí a única coisa que nos cabe dizer é que, num país de escritores analfabetos, quem se finge de ainda mais analfabeto, além de batoteiro, é rei.

Mas adiante. Não é preciso, como nós, ter um doutoramento em literatura para reparar nas semelhanças entre esta obra e uma outra, publicada já há algum tempo, por um tal de Eça de Queirós, provavelmente admirador do romance Equador, porque em tudo imita o seu estilo.

Trata-se então desde logo, este Eça Agora, não de um plágio, mas de sete plágios – ou, se quisermos, catorze plágios. Só que não há crime perfeito. A coisa começa bem, com um Carlos da Maia, um Afonso da maia, mas depois descamba, pois as personagens nem sequer correspondem ao objecto original concebido há sensivelmente um século, ou seja, cem anos. De ver portanto que não se trata da obra tal e qual, mas sim do relato de uns herdeiros directos e/ou indirectos, em tudo parecidos com os originais, mas diferentes.

Dâmaso Salcede continua a revelar-se a personagem secundária mais conseguida, sendo mesmo promovido a barão, ou a conde, de Mehrscheisse, palavra estrangeira, de origem alemã, que embora evoque outras paragens, lembra muito, muito curiosamente, paragens e aragens bem portuguesas. Poder-se-ia dizer que a Mehrcheisse de Dâmaso, aliás Damásio, Salcede, reflecte bem o estado das coisas.

Dos autos consta também uma jovem Lara Marlene, cujo pai não é claro se pagou ou não dez milhões para saldar uma sua dívida, contraída quiçá enquanto era namorada de Carlos da Maia, antes de o ter tentado atropelar, pelo menos.

Até à data, impossibilitados de fazer os testes de ADN, porque não é fácil testar duas personagens imaginárias, desconhecemos se Maria Hermengarda é ou não irmã de Carlos da Maia. Por “à data” entendamos a página 299, infelizmente não conseguimos atempadamente concluir a leitura do romance para a incluir nos autos, faltando-nos neste momento doze páginas, ou seja, o equivalente literário a 175% de derrapagem nas custas da reparação do metro da Praça do Comércio, mais coisa menos coisa. O romance remete o resultado dos testes para o CSI – ou Ci eSse Ai – o que atesta a plurissignificação e intertextualidade do dito.

Um outro protagonista do livro parece ser um tal de… Por… Portugal. Portugal? Não verificámos ainda se consta da lista de procurados. O mais provável é este Portugal tratar-se de um pequeno malandro, capaz de todas as patifarias. Ou não. Ao longo do livro fala-se muito dele, e até é sugerido que é o pais (sic) das Laras Marlenes e dos Antónios Maleitos e das Zizinhas Borralhos e dos Dinos Palmas Cavalitos. Mas, para além de parecer paternidade a mais, tem um erro de português (mais um): deveria escrever-se o pai e não o pais, e mesmo isso, como tudo isto neste Portugal (o do romance, bem entendido) parece poucochinho, deveria mesmo ser um í surdo: um paí, e já é ser muito generoso.

Mais acresce acrescentar aos autos que, neste Eça Agora, é muito difícil identificar as partes do corpo, ou seja, quem retalhou e tratou que partes do corpo, porque foram mui bem cosidas, sem estranhezas de tom, ritmo ou fluência narrativa, mérito atribuível decerto sobretudo aos serviços de reprografia, e, além disso, os nomes nas epígrafes de cada capítulo estão trocados. É certo que há um fólio a indicar as autorias, mas quem será tanso ao ponto de acreditar nestes figurões? Na volta, ao dizer que o capítulo V é da Sicrana e o VI é da Beltrana, estão apenas a arranjar-se álibis uns aos outros.

Autorias? Nós diríamos antes malfeitorias. A própria nota de contracapa o admite: “Certamente, o Eça escreveria melhor, mas não diria pior.” Canalhada anti-patriótica, todos – e referimo-nos aos quinze!

Mais acresce acrescentar que não achámos graça nenhuma, por passarmos férias em Cancun e Armação de Pêra, e gostarmos, quando os autuados a dada altura escrevem, com acinto:
“E Carlos, na mais negra das depressões (…) Tudo lhe era indiferente. De Cancún, seguiu para Armação de Pêra. Queria, de facto, sofrer.” (297)
Tão pouco nos agrada que digam:
“- Mas que hei-de fazer – inquiriu João da Régua. (…) e viver hoje em Portugal, entre louvores a Salazar e a ostentação dos novos-ricos, podes crer que não é coisa fácil.” (133)
O respeitinho é muito bonito. Aliás, é preciso não esquecer que, segundo alguns primeiros, os escritores são engenheiros das almas.
Já indício grave nos parece a seguinte indicação:
“- A propósito… Que raio de ideia foi aquela de tentares atropelar-me? (…)
“- Carlinhos, eu quis atropelar-te. Mas foi com um Bentley! Se isso não é amor, é o quê?” (237)
Até porque aqui já não nos parece haver sátira, mas realismo socialista. Afinal o carro é a única arma com a qual podemos matar o cônjuge ou o vizinho sem incorrermos no risco de sermos presos. Achamos que este é um muito mau exemplo a dar às crianças e ao povo.

Enfim, que mais resta dizer? Nunca foi feito em Portugal um livro como este* – a catorze mãos – com escritores que se divertem e nos divertem a brincar – muito a sério – com a literatura.
E se reincidentes são, só duas coisas restam: ou prendê-los, se aí estiver a Polícia; ou então, que remédio, lê-los e deixarmo-nos levar (presos?) por este Eça Agora. (Sim, com cedilha.)


* A editora Cristina Ovídio corrige uma, duas vezes, dizendo que já é o terceiro livro do bando.

Rui Zink / Outubro 2007

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

ARS LITTERARIA (5) : Rui Zink no confessionário...


O meu caso com o mercado


O mercado? Sempre nos demos bem. Sempre tivemos, perdoem-me o despudor, um bom comércio carnal, satisfatório q.b. para ambas as partes.

Eu e o mercado! Chão que já deu uvas, e agora dá vassoura de bruxa, que é como no sempre pitoresco Brasil se designa a filoxera, a doença em forma de mosquito que ceifa a vida à vinha.

O que mais posso dizer? Talvez que – passamos muito bem um sem o outro. É quase um acordo que temos. Eu não lhe cedo às leis, ele não me reconhece cidadania…

É justo.

Mas, se hoje em dia o mercado e eu andamos de candeias às avessas, um tempo houve em que, confesso, tentei escrever para ele. E queixas, devo dizer, se outros têm (quem é quem tem sempre detractores), eu tenho nenhumas. Até porque quando me aprocheguei, ele, afável, retribuiu-me a gentileza e inclusive mostrou-se disponível para inquirir – pessoalmente! – se por acaso não haveria uma vaga para mim no Ministério do Comércio Literário.

Infelizmente (e reconheço que a culpa é sobretudo minha) na véspera da assinatura do contrato apanhei uma bebedeira de caixão à cova. A agridoce ironia é que estava precisamente a celebrar a minha entrada no mercado e a fazer brindes de próspera e duradoura colaboração. E ainda dizem que brindar com água é que dá azar.

O resultado, como acontece nestas coisas, não foi dos melhores. Cheguei atrasado logo no primeiro dia. E, como não fora dormir a casa, apareci desgrenhado, sujo, a gravata em desalinho, pés a cheirar a peúga usada (sempre transpirei muito dos pés, suponho que é emblema da minha proverbial ligação à terra) e, para cúmulo, crostas de vomitado nos colarinhos da camisa.

Obviamente, fui posto na rua em três tempos, e o mercado (não o censuro) guardou algum rancor, até porque já tinha empenhado a sua palavra – a mesma que lhe agradeci traindo-a – em círculos que, para bom entendedor meio eufemismo basta, não gostam mesmo nada de sofrer desapontamentos.

Rui Zink
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