O meu caso com o mercado
O mercado? Sempre nos demos bem. Sempre tivemos, perdoem-me o despudor, um bom comércio carnal, satisfatório q.b. para ambas as partes.
Eu e o mercado! Chão que já deu uvas, e agora dá vassoura de bruxa, que é como no sempre pitoresco Brasil se designa a filoxera, a doença em forma de mosquito que ceifa a vida à vinha.
O que mais posso dizer? Talvez que – passamos muito bem um sem o outro. É quase um acordo que temos. Eu não lhe cedo às leis, ele não me reconhece cidadania…
É justo.
Mas, se hoje em dia o mercado e eu andamos de candeias às avessas, um tempo houve em que, confesso, tentei escrever para ele. E queixas, devo dizer, se outros têm (quem é quem tem sempre detractores), eu tenho nenhumas. Até porque quando me aprocheguei, ele, afável, retribuiu-me a gentileza e inclusive mostrou-se disponível para inquirir – pessoalmente! – se por acaso não haveria uma vaga para mim no Ministério do Comércio Literário.
Infelizmente (e reconheço que a culpa é sobretudo minha) na véspera da assinatura do contrato apanhei uma bebedeira de caixão à cova. A agridoce ironia é que estava precisamente a celebrar a minha entrada no mercado e a fazer brindes de próspera e duradoura colaboração. E ainda dizem que brindar com água é que dá azar.
O resultado, como acontece nestas coisas, não foi dos melhores. Cheguei atrasado logo no primeiro dia. E, como não fora dormir a casa, apareci desgrenhado, sujo, a gravata em desalinho, pés a cheirar a peúga usada (sempre transpirei muito dos pés, suponho que é emblema da minha proverbial ligação à terra) e, para cúmulo, crostas de vomitado nos colarinhos da camisa.
Obviamente, fui posto na rua em três tempos, e o mercado (não o censuro) guardou algum rancor, até porque já tinha empenhado a sua palavra – a mesma que lhe agradeci traindo-a – em círculos que, para bom entendedor meio eufemismo basta, não gostam mesmo nada de sofrer desapontamentos.
Rui Zink
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